Materiais Didáticos para EJA e Diversidade

Este espaço foi criado com o propósito de agrupar pessoas que queiram compartilhar diálogos, experiências, pesquisas, sobre o tema dos materiais didáticos destinados a EJA ou aos públicos da Diversidade, como comunidades indígenas, quilombolas, e também discutir sobre como os temas da Diversidade são abordados nos materiais didáticos em geral. Pretendemos apresentar informações e realizar discussões sobre as políticas publicas de materiais didáticos, sobre produções de materiais didáticos e suas formas de circulação e ainda sobre os usos de materiais didáticos nos contextos de ensino-aprendizagem.

Paulo Eduardo Dias de Mello
Pesquisador e consultor

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terça-feira, 31 de janeiro de 2012

As produções de professores e alunos revelam que ambos são sujeitos quando se trata de produzir materiais didáticos.

Um aspecto que se destaca nas investigações sobre os materiais didáticos destinados à EJA é que os estudos têm-se dedicado, em especial, à análise dos materiais produzidos seja em âmbito comercial ou de alguma ação ou programa de governo. Por outro lado, destacam-se também os estudos sobre a produção ligada aos movimentos sociais. O foco desses trabalhos são os agentes públicos e suas atuações. Contudo, ainda são escassos os estudos dedicados aos materiais didáticos produzidos diretamente por educadores e estudantes de EJA. Certamente, uma das razões da escassez de estudos sobre esses materiais resulta da própria dificuldade que se apresenta ao pesquisador de obter acesso a um corpus documental significativo sobre as produções que são elaboradas no meio escolar - que nós denominamos aqui de “produções do meio escolar”, ou seja, produções elaboradas por professores que atuam em sala de aula, principalmente na alfabetização, mas também no primeiro e segundo segmentos da EJA, nas redes públicas de ensino. Daí, boa parte dos estudos sobre essas produções se constituírem em estudos de casos, não alcançando uma abrangência maior.
Os acervos documentais ou bibliotecas em geral não consideram a produção didática escolar um tipo de documento relevante para a pesquisa das práticas educativas, e não se dedicam a preservar este tipo de documento. No Brasil podemos destacar dois raros acervos que reúnem materiais didáticos dessa natureza ligados a EJA: o da Ação Educativa, e o Acervo EJA, criado pelo Ministério da Educação - MEC, em 2007.
Várias são as características dos materiais oriundos do meio escolar. Alguns indicam o protagonismo dos docentes num processo autoral de pesquisa e escrita, que envolve desde a produção textual, a imagética, até sua produção física, e destinam-se efetivamente à sua prática educativa com os estudantes. Outros representam o produto final de um processo de elaboração coletiva, desenvolvido com os próprios alunos reunindo suas produções individuais e/ou coletivas. Destacam-se também as produções de professores que atuam fora da sala de aula, mas no interior do espaço escolar, como professores coordenadores, ou coordenadores pedagógicos, desenvolvendo funções pedagógicas e/ou administrativas nas escolas, ou em projetos específicos. As produções desses sujeitos, em geral, revelam o esforço de coletar e organizar textos e atividades de apoio à prática educativa, tendo como alvo direto o professor e indireto o aluno. Encontramos ainda materiais identificados com o nome de uma escola que são conjuntos de textos e atividades fotocopiados, alguns revelando um processo de pesquisa e reorganização de textos de uma diversidade de obras didáticas, e outros que são meras fotocópias de livros didáticos, na íntegra de uma obra.
Na amostra de material didático disponível no Acervo EJA/MEC, pudemos verificar que grande parte da produção do meio escolar provém dos professores alfabetizadores e resulta do trabalho de alfabetização desenvolvido em uma determinada turma, no espaço escolar, durante o período de realização de um curso, ou etapa de curso. Neste segmento da EJA, destacam-se basicamente dois tipos de produções docentes que podem ser classificadas como impressos escolares, ou gêneros de livros didáticos: os Livros de Leitura como as Coletâneas de Produções dos alunos, no qual o professor reúne um conjunto de produções de seus alunos, sejam textos ou imagens, e que resultaram diretamente de sua atuação em sala de aula; e os livros didáticos propriamente ditos, mas que poderiam ser classificados como livros didáticos artesanais, pois o professor preside todas as etapas de sua produção exercendo o papel de editor e organizador dos textos produzidos pelos alunos, resultado do desenvolvimento de metodologias de produção textual como, por exemplo, a autobiografia.
Encontramos também, mas em menor número, exemplos de materiais produzidos por professores que atuam no primeiro e segundo segmentos da EJA. Dentre os materiais produzidos para esses segmentos destacam se, também, os livros didáticos artesanais, alguns impressos em alguma gráfica ou tipografia local e, até mesmo, um livro didático manuscrito. Além de mais escassos no Acervo, os materiais produzidos para estes dois segmentos caracterizam-se, portanto, por uma maior influência do formato livro didático. Inclusive alguns livros “produzidos” no meio escolar são meras fotocópias não autorizadas de obras didáticas de editoras comerciais. Esses materiais indicam algumas estratégias de produção utilizadas no meio escolar, por parte de docentes, que buscam superar as dificuldades de acesso aos materiais didáticos destinados à EJA, mas que em geral, são mais abundantes para a Educação Básica.



Osmar Fávero e Celso Beisiegel - RJ/2011

Na foto temos o encontro de dois grandes estudiosos da EJA no Brasil, os professores Osmar Fávero e Celso Beisiegel. Uma homenagem deste aprendiz neste blog.

segunda-feira, 30 de janeiro de 2012

Estudos de Osmar Fávero mapearam a produção didática para a EJA


Osmar Fávero tem trabalhos fundamentais sobre a produção didática para a EJA.
No campo da Educação de Jovens e Adultos, podemos afirmar que os estudos sobre o tema dos materiais didáticos foram inaugurados por Celso Beisiegel e Vanilda Paiva, nos anos de 1970. Esses estudos revelaram a importância que os materiais didáticos tinham como um dos elementos estratégicos da atuação político-pedagógica, tanto nas realizações do poder público, quanto nas ações que resultaram dos movimentos de educação popular, entre os anos 1940 e 1970. Ambos destacaram em suas análises a diversidade de materiais didáticos produzidos e destinados a EJA, predominantemente os materiais impressos e audiovisuais elaborados pelas campanhas oficiais e atuações da sociedade civil organizada - analisando seus conteúdos, em particular, os aspectos ideológicos, e as concepções pedagógicas subjacentes.
Nos anos 1980, foi Osmar Fávero (1983) quem empreendeu uma retomada dos estudos sobre materiais didáticos destinados a EJA publicando um artigo intitulado “Referências sobre materiais didáticos para a educação popular” em que realizou um mapeamento da produção didática para a educação popular dos anos 1950 a 1982. O texto apresentava um histórico cronológico da produção dos materiais didáticos com foco nas campanhas e programas de educação de adultos desenvolvidos, nos anos 60, pelos movimentos de cultura e educação popular promovido pela União Nacional dos Estudantes (UNE) e pela Igreja Católica, em particular, pelo Movimento de Educação de Base, o MEB. O texto também abordava, nesse período, as iniciativas do poder público e da chamada Cruzada ABC. Para os anos 1970 o autor menciona (mas não chega a analisar) a produção do MOBRAL, e destacava a intensidade e a variedade com que os materiais didáticos foram produzidos em formato impresso ou audiovisual por instituições ligadas ao movimento social popular. Já em meados dos anos 2000, num artigo intitulado “Materiais Didáticos para a Educação de Jovens e Adultos”, Fávero (2007) dá continuidade ao trabalho anterior e realiza breve balanço sobre a produção dos materiais didáticos para educação de jovens e adultos elaborados nos anos de 1980, e apresenta a produção dos anos 1990, com foco em materiais produzidos por iniciativas da Central Única dos Trabalhadores (CUT) para os programas Integrar e Integração; a proposta pedagógica do Movimento dos Trabalhadores Sem-Terra (MST) e os materiais utilizados nos seus acampamentos e assentamentos; e os livros Palavras de trabalhador, editados pelo Sistema de Educação de Jovens e Adultos (SEJA), da Prefeitura Municipal de Porto Alegre.
Os trabalhos de Fávero realizam um importante balanço da produção didática para a EJA, adotando como recorte a produção dos movimentos vinculados à tradição da educação popular. Além de uma narrativa sobre as circunstâncias que envolveram a elaboração dos materiais ligados a esses movimentos, sua análise detém-se na descrição de alguns aspectos relativos ao método e ao conteúdo sócio-político das obras. Uma análise mais detalhada do conteúdo do material didático é exposta por Fávero em sua tese de doutorado sobre o MEB (2006). Sua análise se desenvolve sobre dois materiais didáticos elaborados pelo movimento, os livros de leitura destinados ao processo de alfabetização de adultos e manuais de orientação aos professores e responsáveis pela produção das aulas radiofônicas que formavam: o conjunto didático Viver é lutar (1963) e o conjunto didático Mutirão (1965). Na análise do conjunto didático Viver é lutar, Fávero inicia com uma contextualização do momento de produção do material, no início dos anos 60, descrevendo os antecedentes, as intenções e as formas de recepção social do material (inclusive sua apreensão pela polícia do então estado da Guanabara e inquérito pelo DOPS). Em seguida apresenta os fundamentos educativos, descreve a organização do material e discute brevemente a relação presente entre texto e fotografias, aliás um elemento chave do material. Na sequência analisa o conteúdo político-ideológico de cada uma das 30 lições que compunham o material. A análise é finalizada com a discussão sobre as repercussões e o significado político do material e as articulações entre os interesses das classes trabalhadoras com as diretrizes e ações do MEB e da Igreja Católica no campo social. 
Sua análise dá pouco destaque aos exercícios gramaticais e atividades, e, portanto, aos aspectos intrinsecamente pedagógicos do material, dando maior ênfase aos fundamentos políticos e ideológicos. Na realidade, para Fávero os aspectos pedagógicos confundem-se com os aspectos políticos, pois entende que uma didática para educação de adultos deve promover a alfabetização simultaneamente com a “conscientização” que prepara a pessoa para engajar-se na transformação da sociedade.
Obviamente, a obra analítica de Fávero deixa lacunas sobre a produção didática, na medida, em que prioriza a produção vinculada aos movimentos de educação popular, sem se ater aos demais atores que produziram materiais para a EJA. Mas isso não é demérito algum, apenas um recorte, aliás deliberado, e que deriva de uma opção politicamente assumida de dar voz aos grupos militantes da educação popular.

Fragmentação ainda marca a política de materiais didáticos do MEC


Fragmentação, diversificação e contradições ainda marcam a política de materiais didáticos do MEC.

Longe de ser uma política única e homogênea a política de materiais didáticos do MEC é marcada por sua fragmentação, diversificação e contradições internas. Uma primeira característica das ações sobre materiais didáticos no MEC é sua fragmentação em diferentes programas, ações e projetos que são executados por distintos agentes de sua estrutura organizacional, a exigir uma relação ativa entre os colaboradores. Esta característica pode ser explicada pelas diversas configurações e remodelações que a estrutura organizacional do Ministério teve ao longo de sua história, e as diferentes formas de formulação e execução das políticas educacionais e divisão de atribuições entre autarquias e secretarias do MEC.
Efetivamente,como o MEC tem executado nos últimos anos sua política de materiais didáticos? Em primeiro lugar, os materiais didáticos não representam um eixo específico da política do MEC. Não há  um locus na estrutura do ministério ou um documento norteador que dê os parâmetros de ação para a política de materiais didáticos desenvolvida em todo o MEC. Um olhar sobre os agentes internos do MEC, ou seja, suas secretarias, suas diretorias e autarquias (FNDE e INEP) permitem perceber que a política de materiais didáticos do MEC é polifônica, isto é, executada em diferentes linhas de ação e desenvolvida sob a perspectiva da colaboração, por diferentes agentes de sua estrutura organizacional. De fato, inexiste no MEC, por exemplo, uma secretaria, ou diretoria, ou órgão destinado especificamente a coordenar todo o conjunto de ações do Ministério que envolvem produção de materiais didáticos. Cada secretaria, cada diretoria dentro de uma dada secretaria e as autarquias do MEC desenvolve programas[1] cuja finalidade pode ser avaliação, produção, reprodução, aquisição e distribuição de materiais didáticos e tecnologias educacionais.
Um exemplo desta fragmentação e processo de colaboração entre o MEC e uma autarquia pode ser observado quando analisamos, por exemplo, o programa relacionados ao livro didático. O MEC executa atualmente quatro programas voltados ao livro didático: o Programa Nacional do Livro Didático (PNLD), o Programa Nacional do Livro Didático para o Ensino Médio (PNLEM), o Programa Nacional do Livro Didático Educação de Jovens e Adultos (PNLD-EJA), e mais recentemente o PNLD Campo. Podemos verificar que, por exemplo, para a execução do PNLD-EJA diferentes competências são distribuídas entre três atores centrais: a SECADI e o FNDE. O FNDE, por exemplo, realiza a avaliação técnica das obras didáticas, a SECADI é responsável pela avaliação pedagógica e os parceiros do Programa Brasil Alfabetizado e redes públicas de ensino efetuam a escolha das obras. Descentralização e partilha de responsabilidades caracterizam, portanto, a política de livros didáticos do MEC para a Educação de Jovens e Adultos, características que se estendem para os demais programas de livros didáticos.
Outro aspecto relevante das ações que envolvem a política de materiais didáticos do MEC é a diversidade de recursos didáticos que são objeto de iniciativas e programas. Como vimos o MEC não toma o conjunto de materiais didáticos como uma categoria, nem a possui como um eixo de sua política. Na realidade, o MEC realiza através de diferentes programas e ações a avaliação, a produção, ou a aquisição e distribuição de uma grande diversidade de recursos didáticos. [2]
Vista em seu conjunto, pode-se dizer que a política de material didático atualmente praticada pelo MEC é voltada para quatro grupos de materiais:
Tipo de Material Didático
Programa(s), Ações
Agente(s) Executore(s)
Ação Executada
Livros didáticos e obras de referência (dicionários)
PNLD, PNLEM.
PNLD-EJA – PNLD Campo
SEB/FNDE
SECAD/FNDE
IPES
Redes Públicas de Ensino
Avaliação, escolha, aquisição e distribuição
Acervos literários[3]
PNBE
SEB/SECAD/ SEESP/FNDE
IPES
Avaliação, aquisição e distribuição
Tecnologias educacionais
GUIA DE TECNOLOGIAS EDUCACIONAIS
SEB
IPES
Pré-qualificação
Recursos multimídias de acesso público
PORTAL DO PROFESSOR
SEB
SEED
Avaliação, Divulgação
Como se sabe, a principal política pública de compra e distribuição de materiais didáticos do MEC é voltada aos livros didáticos e obras de referência, ou seja, materiais impressos. Esta política é executada através de dois programas: o Programa Nacional do Livro Didático (PNLD) e o Programa Nacional Biblioteca da Escola - PNBE. A execução dos programas do livro é realizada com distribuição de responsabilidades entre secretarias do MEC, no caso a Secretaria da Educação Básica - SEB e a Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade  e Inclusão– SECADI e o Fundo Nacional para Desenvolvimento da Educação – FNDE. Estes programas têm sido progressivamente ampliados para atender demandas específicas do público escolar ou do tipo de livro a ser adquirido para a composição do acervo escolar, como é o caso recente da educação do campo.
Cada um dos programas possui objetivos específicos quanto ao tipo de material que tem como objeto e qual o seu público alvo e pode ganhar novos contornos com tempo. O programa mais antigo, com maior aporte de recursos e maior volume de materiais adquiridos é o programa do livro didático, o PNLD. Este programa foi estruturado ao longo do tempo, com novos elementos sendo incorporados gradualmente, tais como as obras didáticas de determinadas disciplinas do currículo escolar, como o espanhol, por exemplo, e outras obras tais como os dicionários e livros de apoio ao alfabetizador. Mas não há exatamente programas que cubram a diversidade dos recursos didáticos. Os programas principais são assim complementados por ações de apoio, de fomento, de produção, de co-produção, algumas pontuais.
A política de materiais didáticos do MEC resulta justamente desta costura de programas já consistentes e ações pontuais desenvolvidas em outros programas e projetos. Elas envolvem cooperativamente os diferentes segmentos da estrutura ministerial e, também, mobilizam parceiros externos. Todavia constata-se a ausência na estrutura do Ministério de um setor ou órgão que seja responsável pela definição de uma política de materiais didáticos que atenda aos diferentes públicos escolares.  Assim, não é incomum, por exemplo, a sobreposição de ações, como  a produção de obras literárias, de livros didáticos por diferentes programas, mas cada um adotando diferentes formas de concepção, elaboração e critérios próprios de avaliação. Algumas produções, inclusive, se fossem submetidas aos mesmos critérios de avaliação adotados no PNLD, por exemplo, correriam o risco de serem reprovadas na avaliação dos aspectos técnicos ou materiais e os pedagógicos.
Falta ao MEC uma estrutura que pense em seu conjunto os materiais didáticos e as políticas futuras, cujo desafio está na superação dos recursos impressos e a incorporação de novos suportes e tecnologias.



[1] Existem diversos programas e ações em andamento relacionadas a produção, avaliação de materiais didáticos. São exemplos: SEED - chamada para conteúdos digitais para o Portal do Professor; SECAD - Cadernos literários, Concurso Literatura Para Todos, dentre outros; SEB- Guia de Tecnologias, PNLD.
[2] Apesar de empregarmos, por vezes, a expressão política de materiais didáticos, que pode dar uma ideia de organicidade de ações e propósitos, o MEC, efetivamente, não a utiliza em seus documentos, e tampouco a pratica enquanto tal.
[3]  Citamos aqui os principais programas consolidados. No caso dos acervos literários, há iniciativas de produção literária, para EJA e Relações Étnico-Raciais, desenvolvidas no âmbito da SECAD, tal como o Concurso Literatura Para Todos, que ainda não se consolidou como um programa.

sexta-feira, 15 de abril de 2011

A atual política do MEC para Tecnologias Educacionais e seus desafios


Paulo Eduardo Dias de Mello
Consultor UNESCO junto à UNILAB
Paulodemello04@gmail.com
As tecnologias educacionais foram incorporadas recentemente pelo Ministério da Educação - MEC como um elemento de sua política de materiais educacionais destinados à educação básica. Apenas a partir Decreto nº 6094/07, que institui o Plano de Metas Compromisso Todos pela Educação – PDE, a questão das tecnologias educacionais passou a ser alvo de uma ação especifica do MEC. O decreto, em seu Capítulo IV, que trata da assistência técnica e financeira da união - Seção I - Das Disposições Gerais, estabeleceu que o MEC realizasse adicionalmente a outras ações, a pré-qualificação de materiais e tecnologias educacionais que promovessem a qualidade da educação básica, os quais poderiam ser posteriormente certificados, caso, após avaliação, houvesse impacto positivo na evolução do IDEB, nas localidades onde fossem adotados. Para desenvolver a captação desses materiais e tecnologias educacionais e sua disponibilização para as redes públicas de ensino o MEC criou dois instrumentos: o Edital de Chamada de Tecnologias Educacionais e o Guia de Tecnologias Educacionais.
O ponto de partida para se chegar ao Guia de Tecnologias Educacionais é a publicação pelo MEC do Edital de Chamada Pública para Tecnologias Educacionais. O Edital é o instrumento normativo onde são estabelecidas as regras do processo, os elementos que definem as características dos objetos que serão apresentados, a forma como isso se realizará, os critérios de avaliação e as etapas e características do processo avaliativo. Ao lançar a Chamada Pública para pré-qualificação de tecnologias educacionais o MEC objetiva avaliar e pré-qualificar tecnologias educacionais que apresentem potencial para a melhoria da educação básica em suas diferentes etapas (educação infantil, ensino fundamental e ensino médio) e, atender as especificidades das modalidades de educação (educação especial, educação de jovens e adultos e educação à distância).
Assim, o Edital é um instrumento de chamada pública, que serve para captação de novas tecnologias educacionais, que possam orientar a organização do trabalho dos profissionais da educação básica, em diferentes áreas do setor educacional (gestão da educação, avaliação, alfabetização, leitura, formação continuada de professores e ensino-aprendizagem). Também objetiva-se estimular a criação de tecnologias educacionais por pessoas físicas, instituições de ensino e pesquisa e organizações sociais e demais pessoas jurídicas, assim como fortalecer a produção teórica voltada à qualidade da educação básica que se concretize por meio da criação de novas tecnologias educacionais.
O Guia de Tecnologias é, portanto, o produto final do processo de avaliação promovido pela chamada pública. Trata-se de uma publicação, em formato de catálogo, em meio eletrônico ou impresso, contendo um rol de tecnologias educacionais pré-qualificadas que podem ser eleitas como produto da assistência técnica que o MEC oferece às redes municipais e estaduais de educação. Ele apresenta a descrição e informações de cada tecnologia pré-qualificada, com a finalidade de auxiliar gestores a conhecer e identificar e selecionar aquelas que possam contribuir para a melhoria da educação em suas redes de ensino. Seu objetivo, portanto, é auxiliar os gestores e educadores na decisão acerca da aquisição e/ou implementação de tecnologias para uso nas suas redes de educação básica. Por meio do Plano de Ações Articuladas – PAR elaborado pelos municípios, estados e o Distrito Federal, os entes podem indicar ao MEC as demandas que podem ser atendidas através do Guia de Tecnologias.
A inclusão de uma tecnologia pré-qualificada no Guia não significa, no entanto, sua aprovação pelo Ministério. Ao incluir uma tecnologia no Guia, a ação do MEC apenas visa, a divulgação de um produto que atende aos quesitos especificados nos editais que convocaram a apresentação de tecnologias educacionais, ou seja, que está previamente qualificado para uso nas redes de ensino.
Assim um primeiro desafio do MEC será desenvolver as etapas subseqüentes à pré-qualificação: o acompanhamento do uso das tecnologias e sua aprovação ou certificação O acompanhamento do uso das tecnologias deve verificar se as características das tecnologias de fato correspondem às encontradas na pré-qualificação e em qual extensão o uso das tecnologias contribuiu para a melhoria da qualidade da Educação nas redes de ensino. Somente após o período de acompanhamento será possível ao MEC realizar a última etapa, de nova análise e classificação das tecnologias de fato aprovadas e certificá-las como instrumentos que podem promover a qualidade da Educação. Isto implica em estabelecer parâmetros claros para a efetiva avaliação das tecnologias em uso.
Disso resulta um segundo desafio ao MEC, que é o de estabelecer com clareza as definições sobre o que se entende por tecnologias educacionais, desenvolver e acompanhar processos adequados de avaliação estabelecendo cuidados na elaboração dos editais, na formulação de critérios de avaliação, na organização dos instrumentos adequados, na formação de equipes interdisciplinares com especialistas das mais distintas especialidades e capacitação para uso de instrumentos. É preciso discutir o edital e adotar o máximo possível de transparência no processo de avaliação, com a divulgação dos instrumentos e análise dos resultados. Da mesma forma esses cuidados devem ser adotados para as etapas de acompanhamento e avaliação para a certificação.
Nesse sentido entendemos que o MEC deveria propor uma ampla discussão pública, com envolvimento dos setores de governo, universidades e produtores, sobre os elementos que compõe o núcleo central do Edital de Chamada, são eles: 1) o objeto do edital, onde é definido o conceito de tecnologias educacionais empregado; 2) os objetivos do edital; 3) as condições de elegibilidade dos proponentes; 4) as áreas para as quais são definidas as possibilidades de inscrição das tecnologias; 5) as modalidades de ensino pretendidas; 6) as características técnicas a serem apresentadas; 7) os critérios e etapas do processo de avaliação. Bem como deveria estender esses debates sobre os processos de avaliação que terão como objetivo certificar as tecnologias já pré-qualificadas.
Por outro lado, também não está definida com clareza qual a forma como o MEC irá adquirir e transferir as tecnologias educacionais demandadas pelos municípios, estados e distrito federal, por meio do PAR. Até o momento, o MEC apenas investiu na aquisição e distribuição de tecnologias de correção de fluxo. Imagina-se que em razão da prioridade dada a ações que trazem rápido impacto sobre o desempenho do índice de desenvolvimento da educação básica, o IDEB. Todavia, não sabemos como ficam as outras áreas e dimensões da educação básica, como serão contempladas as demandas que dizem respeito, por exemplo, a qualificação dos professores para o uso de conteúdos digitais.
Por fim, apenas a apresentação da análise dos resultados alcançados em cada edital numa série temporal permitirá avaliar se os rumos da política estão corretos. Trata-se de mais um elemento que torna público e transparente as políticas relativas ao fomento à produção, aquisição e distribuição de recursos tecnológicos para as redes de ensino. Sabemos que a presença de tecnologias nas escolas se faz cada vez mais requisita, exigindo uma profunda reflexão sobre o seus sentidos e significados.


sábado, 19 de fevereiro de 2011

Tese de Doutorado

Em 2010 conclui meu doutorado na FEUSP. A tese já está publicada no banco de teses no seguinte endereço
http://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/48/48134/tde-26012011-142038/pt-br.php. A pesquisa investiga historicamente a produção de material didático para a Educação de Jovens e Adultos, tendo por objetivos o entendimento da trajetória histórica dessa produção desde a constituição da EJA, como campo de políticas públicas até o período mais recente de nossa história, a caracterização da produção didática dos anos 1996 a 2007, em seus aspectos formais e de conteúdo a partir dos sujeitos envolvidos na produção, e uma investigação da concepção de EJA e dos fundamentos epistemológicos do ensino e aprendizagem por meio da análise da forma e conteúdos de duas coleções didáticas: a Coleção Cadernos de EJA e a Coleção ENCCEJA. Além da análise historiográfica, a pesquisa utiliza referenciais da História Cultural, da História do Currículo e das Disciplinas Escolares, entendendo o material didático e o livro didático em particular, como objetos multidimensionais e complexos, que através de sua forma e conteúdos revelam expressões ideológicas, concepções de educação de jovens e adultos, de currículo para EJA, de métodos de ensino e aprendizagem para jovens e adultos. Depreende-se como marca distintiva da produção didática da EJA sua ampla diversidade, em resposta às características intrínsecas que marcam essa modalidade de ensino, sua pulverização pelo território nacional, e pela forte presença de ações da sociedade civil, dos movimentos sociais, e do Estado. Por outro lado, verificamos como os materiais didáticos explicitam tensões entre propostas ideológicas distintas no discurso pedagógico e no campo das políticas para EJA, que por sua vez apresentam clivagens e contradições na efetivação das propostas pedagógicas, em termos de organização dos conteúdos e métodos de aprendizagem nos materiais de ensino.
 

segunda-feira, 24 de maio de 2010

Como podemos agrupar os materiais didáticos de EJA?
Podemos utilizar diferentes critérios para formar agrupamentos de materiais didáticos, conforme a característica que se queira por em destaque, quer seja em função da materialidade, dos programas, dos sujeitos produtores, ou outro critério. Os materiais didáticos, aqui considerados e destinados a EJA, podem ser agrupados por diferentes critérios básicos considerando o vínculo a um determinado programa do MEC, o suporte material em que está inscrito, os sujeitos de produção e critérios híbridos.
No caso da EJA é importante definir os grupos de materiais para entender quais são as linhas de atuação, os programas e projetos que podem definir a política de materiais didáticos. Este é o caso da primeira forma de agrupamento abaixo apresentada. Nela os materiais são agrupados em função de programas realizados no MEC. Estes programas são desenvolvidos pela Secretaria de Educação Básica (SEB) e, no caso dos programas do livro, que são programas consolidados, possuem amplitude e longevidade que asseguram a continuidade   das ações. A novidade fica por conta do Guia de Tecnologias. Como já dissemos na primeira parte do trabalho o Guia não inclui obras impressas, previstas como materiais dos programas do livro. Assim, em médio prazo, será necessário apurar os conceitos aplicados às políticas e adequá-los às finalidades propostas.

Agrupamento de materiais didáticos por critério de vínculo a programa

Grupo
Programa
Materiais
 Tecnologias Educacionais

Guia de Tecnologias Educacionais
- Audiovisual
- Áudio (radiofônico/MP3)
- Softwares educacionais
- Kit didático
- Jogos e Materiais de manipulação
- Portais Educativos/WEB
-Objetos de aprendizagem
Livro didático

PNLA/PNLDEJA
-Coleções Didáticas de EJA
- Livro de alfabetização para EJA
- Manuais do aluno e do professor
Acervo Literário para EJA

PNBE
- Coleção Literatura para Todos
- Obras Literárias para EJA

Os materiais didáticos também podem ser agrupados por critério de suporte. Entende-se como suporte o material que serve como base para o desenvolvimento de um determinado conteúdo de aprendizagem. O termo, bastante aplicado na área de design gráfico, indica o material (papel, cartão) que recebe a impressão das formas nas máquinas de imprimir. Aqui o termo é empregado num sentido mais amplo para indicar tanto os materiais quanto as técnicas utilizadas em impressos, recursos digitais e eletrônicos, e outros materiais empregados na elaboração de recursos pedagógicos. Podemos identificar basicamente quatro grupos de suportes: os que chamamos de tecnológicos, que utilizam formatos digitais, informatizados ou virtuais; os impressos; os audiovisuais; e os manipuláveis.


Agrupamento de Materiais Didáticos por critério de suporte

Grupo
Suporte
Materiais
Tecnologias Digitais
Tecnológico digital/informatizado/virtual
- Softwares educacionais
- Portais Educativos
- Tecnologias virtuais
Impressos
Livros e impressos escolares
- Coleções Didáticas de EJA
- Livro de alfabetização para EJA
- Paradidáticos
- Manuais do aluno e do professor
- Coleção Literatura para Todos
- Obras Literárias para EJA
- Obras de referência: Atlas, Dicionários, Enciclopédias
- Pranchas e Livros de Imagens
 - Produções coletivas de professores e alunos (livros coletivos)
Audiovisuais
Imagem e som
- Vídeos: filmes, documentários.
- Músicas, Produções radiofônicas, Livros falados.
Manipuláveis
Objetos diversos
- jogos
- globo terrestre.
- kit de experimentos

Os materiais também podem ser agrupados por critério dos sujeitos envolvidos em sua produção. Através deste critério podemos organizar grupos de materiais identificando atores responsáveis por seu processo de elaboração, revelando os múltiplos sujeitos envolvidos e as intencionalidades da produção. Este critério permite dar visibilidade sobre possíveis beneficiários de programas de incentivo à produção de materiais didáticos. Isto é significativo porque uma das discussões contemporâneas sobre os materiais didáticos está relacionada a autonomia dos professores na organização do trabalho didático.
Na EJA esta discussão possui um peso significativo, pois algumas perspectivas teórico-metodológicas apostam no professor e no aluno como sujeitos da construção do conhecimento e trazem propostas de elaboração de materiais didáticos a partir das experiências situadas nos contextos de aprendizagem. Ou seja, quer-se investir mais na postura do professor como produtor do material didático, na formação do educador para operar a transposição didática de documentos que circulam socialmente, tais como bulas, panfletos, textos variados de fontes diversas, imagens, filmes comerciais, em materiais para a sala de aula, que na produção de materiais previamente preparados para o ensino. Trata-se de uma discussão que divide os que defendem, por exemplo, o chamado ensino estruturado, com sistemas de ensino apostilados que definem objetivos, conteúdos, atividades e ditam o ritmo de aprendizagem dos alunos, e aqueles que incentivam posturas construtivistas, em que o material integra uma proposta formativa mais ampla.
Sob a perspectiva desse debate podemos ter uma política que incentive mais a produção de materiais prescritivos que determinam ou orientam mais os processos de ensino-aprendizagem, ou uma política que busca incentivar a autonomia de alunos e professores e assegura a liberdade de criação de recursos pedagógicos próprios. Para superar a aparente dicotomia aqui lançada a política de materiais didáticos pode e deve propor uma diversidade de ações voltadas a produção de materiais variados, que possam atender as múltiplas escolhas pedagógicas. Assim, desde os materiais elaborados por editoras que contam com profissionais especializados, até as produções oriundas do chão da sala de aula, como livros escritos e confeccionados por alunos e professores, devem ter espaço e formas de incentivo. Não se opera aqui com a exclusão a priori de materiais, mas pela identificação e reconhecimento dos sujeitos envolvidos em sua produção. Preconizamos que a política de materiais deve assegurar diversidade, com qualidade e formação docente adequada para a avaliação, produção e utilização de materiais didáticos em sala de aula.

Agrupamento de Materiais Didáticos por critério de sujeito de produção

Grupo
Características
Materiais Predominantes
Empresas privadas

Empresas que detém direitos autorais de produção e visam lucro
Diversos
Entidades públicas
Secretarias Estaduais ou Municipais de Educação, cujas equipes pedagógicas ou especiais produzem materiais para uso de sua rede ensino
Materiais impressos: Apostilas, livros.

ONGs e OSCIPs
Instituições sem fins lucrativos.


Diversos, com destaque para materiais impressos e sistemas de ensino
Pessoas físicas
Indivíduos, autores que detém direitos e visam lucro ou não.
Diversos
Coletivos de professores
Corpo docente de uma escola ou rede de escolas, grupos de professores que visam lucro ou não.
Livros coletivos, propostas de ensino, projetos pedagógicos, aulas.
Coletivos de professores e alunos

Corpo docente e discente de escolas, grupos de professores e alunos, que visam lucro ou não
Livros coletivos, Histórias de Vida, Memória oral, Histórias locais, etc.

A forma de agrupamento que apresentamos na tabela abaixo mescla alguns critérios relativos a suporte, sujeito de produção, e a função pedagógica que o material pode ter no processo de ensino-aprendizagem. Assim temos as tecnologias educacionais que incluem todos os recursos digitais, eletrônicos, previstos no Guia de Tecnologias Educacionais. O livro didático, aqui é entendido no estrito senso de manual que contempla os conteúdos de um ou mais componentes curriculares, composto de manual do aluno e do professor.  Um detalhamento maior dos conceitos relacionados aos livros e impressos será apresentado no próximo tópico, mas a divisão aqui adotada procurou preservar os elementos dos programas do livro já existentes e seus editais.
O que se pode perceber é que os programas do livro abrangem os livros didáticos, as obras literárias, os chamados materiais complementares. Atualmente, uma minuta do decreto sobre esses programas traz duas expressões para obras complementares: “materiais complementares” e “materiais de apoio à prática educativa”. Aqui estes materiais são definidos da seguinte forma: “obras de referência” e “materiais complementares de apoio”. Nossa proposta é definir as obras de referência como obras de consulta para temas, assuntos, vocábulos, que trazem informações pontuais que apóiam a compreensão de um assunto, texto, conteúdo. Os materiais complementares são concebidos aqui na acepção de produções que aprofundam e desenvolvem um tópico dos conteúdos curriculares através de textos e ou atividades. Assim, os chamados livros paradidáticos são entendidos aqui como materiais complementares, e os dicionários como obras de referência.    



Grupo
Materiais
1-     Tecnologias Educacionais:

- Audiovisual
- Áudio (radiofônico/MP3)
- Softwares educacionais
- Jogos, brinquedos e Materiais de manipulação
- Portais Educativos
2-     Livro didático

- Manuais do aluno e do professor
- Livro de alfabetização
     3- Obras de referência

- Atlas
- Dicionários
- Enciclopédias
     4- Materiais complementares e de apoio:
             
- Pranchas e Livros de Imagens.
- Paradidáticos.
     5- Acervo Literário para EJA

- Textos em verso – poema, quadra, parlenda, cantiga, trava-língua, adivinha, canção, cordel;
- Textos em prosa - romance, novela, conto, crônica, teatro, fábula, biografia, diário, relato de experiência, texto de tradição popular (causos, lendas, provérbios, ditos populares);
- Livros de imagens e livros de histórias em quadrinhos, dentre os quais se incluem obras clássicas da literatura universal, artisticamente adaptadas ao público de educação de jovens e adultos (ensino fundamental e médio);
     6-Produções individuais ou coletivas de professores e alunos