Materiais Didáticos para EJA e Diversidade

Este espaço foi criado com o propósito de agrupar pessoas que queiram compartilhar diálogos, experiências, pesquisas, sobre o tema dos materiais didáticos destinados a EJA ou aos públicos da Diversidade, como comunidades indígenas, quilombolas, e também discutir sobre como os temas da Diversidade são abordados nos materiais didáticos em geral. Pretendemos apresentar informações e realizar discussões sobre as políticas publicas de materiais didáticos, sobre produções de materiais didáticos e suas formas de circulação e ainda sobre os usos de materiais didáticos nos contextos de ensino-aprendizagem.

Paulo Eduardo Dias de Mello
Pesquisador e consultor

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segunda-feira, 24 de maio de 2010

Como podemos agrupar os materiais didáticos de EJA?
Podemos utilizar diferentes critérios para formar agrupamentos de materiais didáticos, conforme a característica que se queira por em destaque, quer seja em função da materialidade, dos programas, dos sujeitos produtores, ou outro critério. Os materiais didáticos, aqui considerados e destinados a EJA, podem ser agrupados por diferentes critérios básicos considerando o vínculo a um determinado programa do MEC, o suporte material em que está inscrito, os sujeitos de produção e critérios híbridos.
No caso da EJA é importante definir os grupos de materiais para entender quais são as linhas de atuação, os programas e projetos que podem definir a política de materiais didáticos. Este é o caso da primeira forma de agrupamento abaixo apresentada. Nela os materiais são agrupados em função de programas realizados no MEC. Estes programas são desenvolvidos pela Secretaria de Educação Básica (SEB) e, no caso dos programas do livro, que são programas consolidados, possuem amplitude e longevidade que asseguram a continuidade   das ações. A novidade fica por conta do Guia de Tecnologias. Como já dissemos na primeira parte do trabalho o Guia não inclui obras impressas, previstas como materiais dos programas do livro. Assim, em médio prazo, será necessário apurar os conceitos aplicados às políticas e adequá-los às finalidades propostas.

Agrupamento de materiais didáticos por critério de vínculo a programa

Grupo
Programa
Materiais
 Tecnologias Educacionais

Guia de Tecnologias Educacionais
- Audiovisual
- Áudio (radiofônico/MP3)
- Softwares educacionais
- Kit didático
- Jogos e Materiais de manipulação
- Portais Educativos/WEB
-Objetos de aprendizagem
Livro didático

PNLA/PNLDEJA
-Coleções Didáticas de EJA
- Livro de alfabetização para EJA
- Manuais do aluno e do professor
Acervo Literário para EJA

PNBE
- Coleção Literatura para Todos
- Obras Literárias para EJA

Os materiais didáticos também podem ser agrupados por critério de suporte. Entende-se como suporte o material que serve como base para o desenvolvimento de um determinado conteúdo de aprendizagem. O termo, bastante aplicado na área de design gráfico, indica o material (papel, cartão) que recebe a impressão das formas nas máquinas de imprimir. Aqui o termo é empregado num sentido mais amplo para indicar tanto os materiais quanto as técnicas utilizadas em impressos, recursos digitais e eletrônicos, e outros materiais empregados na elaboração de recursos pedagógicos. Podemos identificar basicamente quatro grupos de suportes: os que chamamos de tecnológicos, que utilizam formatos digitais, informatizados ou virtuais; os impressos; os audiovisuais; e os manipuláveis.


Agrupamento de Materiais Didáticos por critério de suporte

Grupo
Suporte
Materiais
Tecnologias Digitais
Tecnológico digital/informatizado/virtual
- Softwares educacionais
- Portais Educativos
- Tecnologias virtuais
Impressos
Livros e impressos escolares
- Coleções Didáticas de EJA
- Livro de alfabetização para EJA
- Paradidáticos
- Manuais do aluno e do professor
- Coleção Literatura para Todos
- Obras Literárias para EJA
- Obras de referência: Atlas, Dicionários, Enciclopédias
- Pranchas e Livros de Imagens
 - Produções coletivas de professores e alunos (livros coletivos)
Audiovisuais
Imagem e som
- Vídeos: filmes, documentários.
- Músicas, Produções radiofônicas, Livros falados.
Manipuláveis
Objetos diversos
- jogos
- globo terrestre.
- kit de experimentos

Os materiais também podem ser agrupados por critério dos sujeitos envolvidos em sua produção. Através deste critério podemos organizar grupos de materiais identificando atores responsáveis por seu processo de elaboração, revelando os múltiplos sujeitos envolvidos e as intencionalidades da produção. Este critério permite dar visibilidade sobre possíveis beneficiários de programas de incentivo à produção de materiais didáticos. Isto é significativo porque uma das discussões contemporâneas sobre os materiais didáticos está relacionada a autonomia dos professores na organização do trabalho didático.
Na EJA esta discussão possui um peso significativo, pois algumas perspectivas teórico-metodológicas apostam no professor e no aluno como sujeitos da construção do conhecimento e trazem propostas de elaboração de materiais didáticos a partir das experiências situadas nos contextos de aprendizagem. Ou seja, quer-se investir mais na postura do professor como produtor do material didático, na formação do educador para operar a transposição didática de documentos que circulam socialmente, tais como bulas, panfletos, textos variados de fontes diversas, imagens, filmes comerciais, em materiais para a sala de aula, que na produção de materiais previamente preparados para o ensino. Trata-se de uma discussão que divide os que defendem, por exemplo, o chamado ensino estruturado, com sistemas de ensino apostilados que definem objetivos, conteúdos, atividades e ditam o ritmo de aprendizagem dos alunos, e aqueles que incentivam posturas construtivistas, em que o material integra uma proposta formativa mais ampla.
Sob a perspectiva desse debate podemos ter uma política que incentive mais a produção de materiais prescritivos que determinam ou orientam mais os processos de ensino-aprendizagem, ou uma política que busca incentivar a autonomia de alunos e professores e assegura a liberdade de criação de recursos pedagógicos próprios. Para superar a aparente dicotomia aqui lançada a política de materiais didáticos pode e deve propor uma diversidade de ações voltadas a produção de materiais variados, que possam atender as múltiplas escolhas pedagógicas. Assim, desde os materiais elaborados por editoras que contam com profissionais especializados, até as produções oriundas do chão da sala de aula, como livros escritos e confeccionados por alunos e professores, devem ter espaço e formas de incentivo. Não se opera aqui com a exclusão a priori de materiais, mas pela identificação e reconhecimento dos sujeitos envolvidos em sua produção. Preconizamos que a política de materiais deve assegurar diversidade, com qualidade e formação docente adequada para a avaliação, produção e utilização de materiais didáticos em sala de aula.

Agrupamento de Materiais Didáticos por critério de sujeito de produção

Grupo
Características
Materiais Predominantes
Empresas privadas

Empresas que detém direitos autorais de produção e visam lucro
Diversos
Entidades públicas
Secretarias Estaduais ou Municipais de Educação, cujas equipes pedagógicas ou especiais produzem materiais para uso de sua rede ensino
Materiais impressos: Apostilas, livros.

ONGs e OSCIPs
Instituições sem fins lucrativos.


Diversos, com destaque para materiais impressos e sistemas de ensino
Pessoas físicas
Indivíduos, autores que detém direitos e visam lucro ou não.
Diversos
Coletivos de professores
Corpo docente de uma escola ou rede de escolas, grupos de professores que visam lucro ou não.
Livros coletivos, propostas de ensino, projetos pedagógicos, aulas.
Coletivos de professores e alunos

Corpo docente e discente de escolas, grupos de professores e alunos, que visam lucro ou não
Livros coletivos, Histórias de Vida, Memória oral, Histórias locais, etc.

A forma de agrupamento que apresentamos na tabela abaixo mescla alguns critérios relativos a suporte, sujeito de produção, e a função pedagógica que o material pode ter no processo de ensino-aprendizagem. Assim temos as tecnologias educacionais que incluem todos os recursos digitais, eletrônicos, previstos no Guia de Tecnologias Educacionais. O livro didático, aqui é entendido no estrito senso de manual que contempla os conteúdos de um ou mais componentes curriculares, composto de manual do aluno e do professor.  Um detalhamento maior dos conceitos relacionados aos livros e impressos será apresentado no próximo tópico, mas a divisão aqui adotada procurou preservar os elementos dos programas do livro já existentes e seus editais.
O que se pode perceber é que os programas do livro abrangem os livros didáticos, as obras literárias, os chamados materiais complementares. Atualmente, uma minuta do decreto sobre esses programas traz duas expressões para obras complementares: “materiais complementares” e “materiais de apoio à prática educativa”. Aqui estes materiais são definidos da seguinte forma: “obras de referência” e “materiais complementares de apoio”. Nossa proposta é definir as obras de referência como obras de consulta para temas, assuntos, vocábulos, que trazem informações pontuais que apóiam a compreensão de um assunto, texto, conteúdo. Os materiais complementares são concebidos aqui na acepção de produções que aprofundam e desenvolvem um tópico dos conteúdos curriculares através de textos e ou atividades. Assim, os chamados livros paradidáticos são entendidos aqui como materiais complementares, e os dicionários como obras de referência.    



Grupo
Materiais
1-     Tecnologias Educacionais:

- Audiovisual
- Áudio (radiofônico/MP3)
- Softwares educacionais
- Jogos, brinquedos e Materiais de manipulação
- Portais Educativos
2-     Livro didático

- Manuais do aluno e do professor
- Livro de alfabetização
     3- Obras de referência

- Atlas
- Dicionários
- Enciclopédias
     4- Materiais complementares e de apoio:
             
- Pranchas e Livros de Imagens.
- Paradidáticos.
     5- Acervo Literário para EJA

- Textos em verso – poema, quadra, parlenda, cantiga, trava-língua, adivinha, canção, cordel;
- Textos em prosa - romance, novela, conto, crônica, teatro, fábula, biografia, diário, relato de experiência, texto de tradição popular (causos, lendas, provérbios, ditos populares);
- Livros de imagens e livros de histórias em quadrinhos, dentre os quais se incluem obras clássicas da literatura universal, artisticamente adaptadas ao público de educação de jovens e adultos (ensino fundamental e médio);
     6-Produções individuais ou coletivas de professores e alunos


sexta-feira, 2 de abril de 2010

Materiais Didáticos ainda não ocupam espaço na pauta de EJA

O V Seminário do Forum de EJA SP, que se realizará em abril, traz um conjunto de temas relevantes para a EJA. São dez. Nenhum deles trata especificamente da questão do material didático. A pouca visibilidade do tema, em relação aos demais, precisa ser revertida com a proposição de trabalhos e apresentações. Este é um dos desafios para constituição de um campo de debates sobre a importância desses artefatos na mediação do processo de ensino-aprendizagem e na formação do professor e como política de qualidade.
Este espaço tem a finalidade de levantar indagações e contribuir para a reflexão de educadores, gestores e especialistas envolvidos com a Educação de Jovens e Adultos e Diversidade, sobre um conjunto de questões significativas sobre a política de materiais didáticos para estes temas e segmentos da educação.

Segundo o Parecer CEB 11/2000, o Brasil tem uma experiência significativa na área de Educação de Jovens e Adultos (EJA) tendo acumulado conhecimento voltado para métodos, técnicas alternativas de alfabetização de educação de jovens e adultos. Todavia, segundo o documento tais experiências, salvo exceções, não conseguiram se traduzir em material didático específico voltado para a Educação de Jovens e Adultos, tanto para o processo alfabetizador, quanto para as etapas posteriores. Segundo Parecer CEB supracitado é necessário estimular a produção adequada de material didático que seja permanente enquanto processo mutável na variabilidade de conteúdos e contemporânea no uso de e no acesso a meios eletrônicos da comunicação.

Esta condição foi observada alguns anos adiante, em texto destinado a apresentação de uma série criada para a TV- Escola sobre materiais didáticos sua avaliação e uso, publicado em 2005, a pesquisadora Roxane Rojo apontava os limites estabelecidos pela política de materiais didáticos desenvolvida pelo Ministério da Educação – MEC naquele momento:

A política pública de compra e distribuição de materiais didáticos do MEC inclui hoje um processo de avaliação da qualidade pedagógica dos livros e das obras de referência. No entanto, tal política ainda não inclui outros materiais, em outros suportes e mídias, e não incorpora uma formação do professor para a avaliação da adequação dos livros e materiais a seu projeto de ensino, para seleção e uso adequados.[1] 

A observação da pesquisadora referia-se ao fato de que, diante de uma ampla diversidade de materiais didáticos que circulam nas escolas, a política do MEC restringia-se basicamente aos livros didáticos e obras de referência, ou seja, aos materiais impressos no suporte livro. Naquele momento, os principais programas desenvolvidos pelo MEC destinados a avaliação, aquisição e distribuição de material didático eram o Programa Nacional do Livro Didático – PNLD e o Programa Nacional da Biblioteca da Escola – PNBE. Devido a sua envergadura em termos de volume de recursos envolvidos e obras didáticas adquiridas e distribuídas, estes programas, apesar de não serem os únicos desenvolvidos, eram os que possuíam maior visibilidade na política de materiais didáticos do Ministério.

Apesar do MEC manter programas de nível nacional focalizado em livros didáticos e obras de referência verificamos, no entanto, que a política de materiais didáticos não se restringe ao livro didático. Uma perspectiva mais ampliada sobre o conjunto de ações desenvolvidas por meio das diferentes secretarias e autarquias que compõem a estrutura organizativa do ministério e cujo resultado é a produção ou fomento à produção, reprodução, avaliação, aquisição, e distribuição de materiais didáticos permite verificar que, na realidade, o desenvolvimento da política de materiais didáticos é efetivada através de diversas estratégias de implementação, envolvendo distintos programas e ações, e mobilizando diferentes instrumentos como editais de chamada, resoluções, etc..

Recentemente produzimos um estudo que procurou realizar, num primeiro momento, um balanço das principais iniciativas do MEC relacionadas a materiais didáticos no ano de 2008. Desse balanço tiramos duas conclusões básicas: primeira, não existe ainda no âmbito do Ministério um documento norteador que defina diretrizes para uma política de materiais didáticos que abranja a diversidade de materiais, níveis e modalidades de ensino; segunda, a execução de ações sobre materiais tem exigido a colaboração e articulação de diferentes agentes internos ao Ministério e a busca de parcerias externas, numa perspectiva intersetorial.

A realização do I Simpósio sobre Materiais e Literários Didáticos para EJA, sob coordenação da UFRN, em novembro de 2009, representou uma inciativa de promover a discussão sobre o tema com vistas a produção de referenciais. Uma das motivações do Simpósio foi a necessidade de estabelecer um debate acurado entre diferentes sujeitos e numa perspectiva interdisciplinar sobre os fundamentos teóricos e conceituais que embasam a formulação de políticas para materiais didáticos e literários. Segundo o texto utilizado na apresentação do evento aos participantes:
" Trata-se de promover o diálogo entre contribuições oriundas de diferentes campos de pesquisas e práticas da produção de conhecimento sobre EJA e Educação Popular, de estudos sobre livros e materiais didáticos, currículos e cultura escolar. O pressuposto é que no atual contexto das políticas educacionais, o tema dos materiais didáticos passa a ocupar um lugar de centralidade. Se, na década de 1990, as discussões sobre currículo consolidaram um campo de pesquisa e conhecimento, em razão do aprofundamento sobre temas como identidades, cultura, e das iniciativas oficiais de produção de documentos curriculares nacionais. Entende-se que atualmente, e em razão mesmo dos debates sobre as relações entre as dimensões múltiplas do currículo prescrito, real, em ação, avaliado, oculto, o debate se desloca para o eixo da sala de aula, da formação do professor, dos recursos didáticos disponíveis e sobre como os mobiliza na organização coletiva e individual de situações de ensino e aprendizagem. Entende-se que os materiais são artefatos que explicitam currículos, traduzem concepções de ensino e aprendizagem, carregam representações de alunos e educadores de EJA, são elementos simbólicos da cultura escolar. "
Este espaço tem o propósito de repercutir estas questões e apresentar textos de reflexão e documentos. Entendemos que o lugar do material didático não deve ser compreendido apenas como um elemento ou parte das condições adequadas de aprendizagem, ou que asseguram qualidade da educação. Entendemos que é preciso adotar uma concepção ampliada de material didático, que dê conta de suas dimensões complexas. E que, por isso, exigem maior cuidado na formulação de políticas.
O debate está aberto, com este espaço, criamos mais um locus de sua realização.

Paulo Mello


Paulo Mello
 

[1]                   ROJO, Roxane. Materiais Didáticos: escolha e uso, in:  http://www.redebrasil.tv.br/salto/boletins2005/mdeu/meio.html acessado em 21/10/2008.