Materiais Didáticos para EJA e Diversidade

Este espaço foi criado com o propósito de agrupar pessoas que queiram compartilhar diálogos, experiências, pesquisas, sobre o tema dos materiais didáticos destinados a EJA ou aos públicos da Diversidade, como comunidades indígenas, quilombolas, e também discutir sobre como os temas da Diversidade são abordados nos materiais didáticos em geral. Pretendemos apresentar informações e realizar discussões sobre as políticas publicas de materiais didáticos, sobre produções de materiais didáticos e suas formas de circulação e ainda sobre os usos de materiais didáticos nos contextos de ensino-aprendizagem.

Paulo Eduardo Dias de Mello
Pesquisador e consultor

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terça-feira, 31 de janeiro de 2012

As produções de professores e alunos revelam que ambos são sujeitos quando se trata de produzir materiais didáticos.

Um aspecto que se destaca nas investigações sobre os materiais didáticos destinados à EJA é que os estudos têm-se dedicado, em especial, à análise dos materiais produzidos seja em âmbito comercial ou de alguma ação ou programa de governo. Por outro lado, destacam-se também os estudos sobre a produção ligada aos movimentos sociais. O foco desses trabalhos são os agentes públicos e suas atuações. Contudo, ainda são escassos os estudos dedicados aos materiais didáticos produzidos diretamente por educadores e estudantes de EJA. Certamente, uma das razões da escassez de estudos sobre esses materiais resulta da própria dificuldade que se apresenta ao pesquisador de obter acesso a um corpus documental significativo sobre as produções que são elaboradas no meio escolar - que nós denominamos aqui de “produções do meio escolar”, ou seja, produções elaboradas por professores que atuam em sala de aula, principalmente na alfabetização, mas também no primeiro e segundo segmentos da EJA, nas redes públicas de ensino. Daí, boa parte dos estudos sobre essas produções se constituírem em estudos de casos, não alcançando uma abrangência maior.
Os acervos documentais ou bibliotecas em geral não consideram a produção didática escolar um tipo de documento relevante para a pesquisa das práticas educativas, e não se dedicam a preservar este tipo de documento. No Brasil podemos destacar dois raros acervos que reúnem materiais didáticos dessa natureza ligados a EJA: o da Ação Educativa, e o Acervo EJA, criado pelo Ministério da Educação - MEC, em 2007.
Várias são as características dos materiais oriundos do meio escolar. Alguns indicam o protagonismo dos docentes num processo autoral de pesquisa e escrita, que envolve desde a produção textual, a imagética, até sua produção física, e destinam-se efetivamente à sua prática educativa com os estudantes. Outros representam o produto final de um processo de elaboração coletiva, desenvolvido com os próprios alunos reunindo suas produções individuais e/ou coletivas. Destacam-se também as produções de professores que atuam fora da sala de aula, mas no interior do espaço escolar, como professores coordenadores, ou coordenadores pedagógicos, desenvolvendo funções pedagógicas e/ou administrativas nas escolas, ou em projetos específicos. As produções desses sujeitos, em geral, revelam o esforço de coletar e organizar textos e atividades de apoio à prática educativa, tendo como alvo direto o professor e indireto o aluno. Encontramos ainda materiais identificados com o nome de uma escola que são conjuntos de textos e atividades fotocopiados, alguns revelando um processo de pesquisa e reorganização de textos de uma diversidade de obras didáticas, e outros que são meras fotocópias de livros didáticos, na íntegra de uma obra.
Na amostra de material didático disponível no Acervo EJA/MEC, pudemos verificar que grande parte da produção do meio escolar provém dos professores alfabetizadores e resulta do trabalho de alfabetização desenvolvido em uma determinada turma, no espaço escolar, durante o período de realização de um curso, ou etapa de curso. Neste segmento da EJA, destacam-se basicamente dois tipos de produções docentes que podem ser classificadas como impressos escolares, ou gêneros de livros didáticos: os Livros de Leitura como as Coletâneas de Produções dos alunos, no qual o professor reúne um conjunto de produções de seus alunos, sejam textos ou imagens, e que resultaram diretamente de sua atuação em sala de aula; e os livros didáticos propriamente ditos, mas que poderiam ser classificados como livros didáticos artesanais, pois o professor preside todas as etapas de sua produção exercendo o papel de editor e organizador dos textos produzidos pelos alunos, resultado do desenvolvimento de metodologias de produção textual como, por exemplo, a autobiografia.
Encontramos também, mas em menor número, exemplos de materiais produzidos por professores que atuam no primeiro e segundo segmentos da EJA. Dentre os materiais produzidos para esses segmentos destacam se, também, os livros didáticos artesanais, alguns impressos em alguma gráfica ou tipografia local e, até mesmo, um livro didático manuscrito. Além de mais escassos no Acervo, os materiais produzidos para estes dois segmentos caracterizam-se, portanto, por uma maior influência do formato livro didático. Inclusive alguns livros “produzidos” no meio escolar são meras fotocópias não autorizadas de obras didáticas de editoras comerciais. Esses materiais indicam algumas estratégias de produção utilizadas no meio escolar, por parte de docentes, que buscam superar as dificuldades de acesso aos materiais didáticos destinados à EJA, mas que em geral, são mais abundantes para a Educação Básica.



Osmar Fávero e Celso Beisiegel - RJ/2011

Na foto temos o encontro de dois grandes estudiosos da EJA no Brasil, os professores Osmar Fávero e Celso Beisiegel. Uma homenagem deste aprendiz neste blog.

segunda-feira, 30 de janeiro de 2012

Estudos de Osmar Fávero mapearam a produção didática para a EJA


Osmar Fávero tem trabalhos fundamentais sobre a produção didática para a EJA.
No campo da Educação de Jovens e Adultos, podemos afirmar que os estudos sobre o tema dos materiais didáticos foram inaugurados por Celso Beisiegel e Vanilda Paiva, nos anos de 1970. Esses estudos revelaram a importância que os materiais didáticos tinham como um dos elementos estratégicos da atuação político-pedagógica, tanto nas realizações do poder público, quanto nas ações que resultaram dos movimentos de educação popular, entre os anos 1940 e 1970. Ambos destacaram em suas análises a diversidade de materiais didáticos produzidos e destinados a EJA, predominantemente os materiais impressos e audiovisuais elaborados pelas campanhas oficiais e atuações da sociedade civil organizada - analisando seus conteúdos, em particular, os aspectos ideológicos, e as concepções pedagógicas subjacentes.
Nos anos 1980, foi Osmar Fávero (1983) quem empreendeu uma retomada dos estudos sobre materiais didáticos destinados a EJA publicando um artigo intitulado “Referências sobre materiais didáticos para a educação popular” em que realizou um mapeamento da produção didática para a educação popular dos anos 1950 a 1982. O texto apresentava um histórico cronológico da produção dos materiais didáticos com foco nas campanhas e programas de educação de adultos desenvolvidos, nos anos 60, pelos movimentos de cultura e educação popular promovido pela União Nacional dos Estudantes (UNE) e pela Igreja Católica, em particular, pelo Movimento de Educação de Base, o MEB. O texto também abordava, nesse período, as iniciativas do poder público e da chamada Cruzada ABC. Para os anos 1970 o autor menciona (mas não chega a analisar) a produção do MOBRAL, e destacava a intensidade e a variedade com que os materiais didáticos foram produzidos em formato impresso ou audiovisual por instituições ligadas ao movimento social popular. Já em meados dos anos 2000, num artigo intitulado “Materiais Didáticos para a Educação de Jovens e Adultos”, Fávero (2007) dá continuidade ao trabalho anterior e realiza breve balanço sobre a produção dos materiais didáticos para educação de jovens e adultos elaborados nos anos de 1980, e apresenta a produção dos anos 1990, com foco em materiais produzidos por iniciativas da Central Única dos Trabalhadores (CUT) para os programas Integrar e Integração; a proposta pedagógica do Movimento dos Trabalhadores Sem-Terra (MST) e os materiais utilizados nos seus acampamentos e assentamentos; e os livros Palavras de trabalhador, editados pelo Sistema de Educação de Jovens e Adultos (SEJA), da Prefeitura Municipal de Porto Alegre.
Os trabalhos de Fávero realizam um importante balanço da produção didática para a EJA, adotando como recorte a produção dos movimentos vinculados à tradição da educação popular. Além de uma narrativa sobre as circunstâncias que envolveram a elaboração dos materiais ligados a esses movimentos, sua análise detém-se na descrição de alguns aspectos relativos ao método e ao conteúdo sócio-político das obras. Uma análise mais detalhada do conteúdo do material didático é exposta por Fávero em sua tese de doutorado sobre o MEB (2006). Sua análise se desenvolve sobre dois materiais didáticos elaborados pelo movimento, os livros de leitura destinados ao processo de alfabetização de adultos e manuais de orientação aos professores e responsáveis pela produção das aulas radiofônicas que formavam: o conjunto didático Viver é lutar (1963) e o conjunto didático Mutirão (1965). Na análise do conjunto didático Viver é lutar, Fávero inicia com uma contextualização do momento de produção do material, no início dos anos 60, descrevendo os antecedentes, as intenções e as formas de recepção social do material (inclusive sua apreensão pela polícia do então estado da Guanabara e inquérito pelo DOPS). Em seguida apresenta os fundamentos educativos, descreve a organização do material e discute brevemente a relação presente entre texto e fotografias, aliás um elemento chave do material. Na sequência analisa o conteúdo político-ideológico de cada uma das 30 lições que compunham o material. A análise é finalizada com a discussão sobre as repercussões e o significado político do material e as articulações entre os interesses das classes trabalhadoras com as diretrizes e ações do MEB e da Igreja Católica no campo social. 
Sua análise dá pouco destaque aos exercícios gramaticais e atividades, e, portanto, aos aspectos intrinsecamente pedagógicos do material, dando maior ênfase aos fundamentos políticos e ideológicos. Na realidade, para Fávero os aspectos pedagógicos confundem-se com os aspectos políticos, pois entende que uma didática para educação de adultos deve promover a alfabetização simultaneamente com a “conscientização” que prepara a pessoa para engajar-se na transformação da sociedade.
Obviamente, a obra analítica de Fávero deixa lacunas sobre a produção didática, na medida, em que prioriza a produção vinculada aos movimentos de educação popular, sem se ater aos demais atores que produziram materiais para a EJA. Mas isso não é demérito algum, apenas um recorte, aliás deliberado, e que deriva de uma opção politicamente assumida de dar voz aos grupos militantes da educação popular.

Fragmentação ainda marca a política de materiais didáticos do MEC


Fragmentação, diversificação e contradições ainda marcam a política de materiais didáticos do MEC.

Longe de ser uma política única e homogênea a política de materiais didáticos do MEC é marcada por sua fragmentação, diversificação e contradições internas. Uma primeira característica das ações sobre materiais didáticos no MEC é sua fragmentação em diferentes programas, ações e projetos que são executados por distintos agentes de sua estrutura organizacional, a exigir uma relação ativa entre os colaboradores. Esta característica pode ser explicada pelas diversas configurações e remodelações que a estrutura organizacional do Ministério teve ao longo de sua história, e as diferentes formas de formulação e execução das políticas educacionais e divisão de atribuições entre autarquias e secretarias do MEC.
Efetivamente,como o MEC tem executado nos últimos anos sua política de materiais didáticos? Em primeiro lugar, os materiais didáticos não representam um eixo específico da política do MEC. Não há  um locus na estrutura do ministério ou um documento norteador que dê os parâmetros de ação para a política de materiais didáticos desenvolvida em todo o MEC. Um olhar sobre os agentes internos do MEC, ou seja, suas secretarias, suas diretorias e autarquias (FNDE e INEP) permitem perceber que a política de materiais didáticos do MEC é polifônica, isto é, executada em diferentes linhas de ação e desenvolvida sob a perspectiva da colaboração, por diferentes agentes de sua estrutura organizacional. De fato, inexiste no MEC, por exemplo, uma secretaria, ou diretoria, ou órgão destinado especificamente a coordenar todo o conjunto de ações do Ministério que envolvem produção de materiais didáticos. Cada secretaria, cada diretoria dentro de uma dada secretaria e as autarquias do MEC desenvolve programas[1] cuja finalidade pode ser avaliação, produção, reprodução, aquisição e distribuição de materiais didáticos e tecnologias educacionais.
Um exemplo desta fragmentação e processo de colaboração entre o MEC e uma autarquia pode ser observado quando analisamos, por exemplo, o programa relacionados ao livro didático. O MEC executa atualmente quatro programas voltados ao livro didático: o Programa Nacional do Livro Didático (PNLD), o Programa Nacional do Livro Didático para o Ensino Médio (PNLEM), o Programa Nacional do Livro Didático Educação de Jovens e Adultos (PNLD-EJA), e mais recentemente o PNLD Campo. Podemos verificar que, por exemplo, para a execução do PNLD-EJA diferentes competências são distribuídas entre três atores centrais: a SECADI e o FNDE. O FNDE, por exemplo, realiza a avaliação técnica das obras didáticas, a SECADI é responsável pela avaliação pedagógica e os parceiros do Programa Brasil Alfabetizado e redes públicas de ensino efetuam a escolha das obras. Descentralização e partilha de responsabilidades caracterizam, portanto, a política de livros didáticos do MEC para a Educação de Jovens e Adultos, características que se estendem para os demais programas de livros didáticos.
Outro aspecto relevante das ações que envolvem a política de materiais didáticos do MEC é a diversidade de recursos didáticos que são objeto de iniciativas e programas. Como vimos o MEC não toma o conjunto de materiais didáticos como uma categoria, nem a possui como um eixo de sua política. Na realidade, o MEC realiza através de diferentes programas e ações a avaliação, a produção, ou a aquisição e distribuição de uma grande diversidade de recursos didáticos. [2]
Vista em seu conjunto, pode-se dizer que a política de material didático atualmente praticada pelo MEC é voltada para quatro grupos de materiais:
Tipo de Material Didático
Programa(s), Ações
Agente(s) Executore(s)
Ação Executada
Livros didáticos e obras de referência (dicionários)
PNLD, PNLEM.
PNLD-EJA – PNLD Campo
SEB/FNDE
SECAD/FNDE
IPES
Redes Públicas de Ensino
Avaliação, escolha, aquisição e distribuição
Acervos literários[3]
PNBE
SEB/SECAD/ SEESP/FNDE
IPES
Avaliação, aquisição e distribuição
Tecnologias educacionais
GUIA DE TECNOLOGIAS EDUCACIONAIS
SEB
IPES
Pré-qualificação
Recursos multimídias de acesso público
PORTAL DO PROFESSOR
SEB
SEED
Avaliação, Divulgação
Como se sabe, a principal política pública de compra e distribuição de materiais didáticos do MEC é voltada aos livros didáticos e obras de referência, ou seja, materiais impressos. Esta política é executada através de dois programas: o Programa Nacional do Livro Didático (PNLD) e o Programa Nacional Biblioteca da Escola - PNBE. A execução dos programas do livro é realizada com distribuição de responsabilidades entre secretarias do MEC, no caso a Secretaria da Educação Básica - SEB e a Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade  e Inclusão– SECADI e o Fundo Nacional para Desenvolvimento da Educação – FNDE. Estes programas têm sido progressivamente ampliados para atender demandas específicas do público escolar ou do tipo de livro a ser adquirido para a composição do acervo escolar, como é o caso recente da educação do campo.
Cada um dos programas possui objetivos específicos quanto ao tipo de material que tem como objeto e qual o seu público alvo e pode ganhar novos contornos com tempo. O programa mais antigo, com maior aporte de recursos e maior volume de materiais adquiridos é o programa do livro didático, o PNLD. Este programa foi estruturado ao longo do tempo, com novos elementos sendo incorporados gradualmente, tais como as obras didáticas de determinadas disciplinas do currículo escolar, como o espanhol, por exemplo, e outras obras tais como os dicionários e livros de apoio ao alfabetizador. Mas não há exatamente programas que cubram a diversidade dos recursos didáticos. Os programas principais são assim complementados por ações de apoio, de fomento, de produção, de co-produção, algumas pontuais.
A política de materiais didáticos do MEC resulta justamente desta costura de programas já consistentes e ações pontuais desenvolvidas em outros programas e projetos. Elas envolvem cooperativamente os diferentes segmentos da estrutura ministerial e, também, mobilizam parceiros externos. Todavia constata-se a ausência na estrutura do Ministério de um setor ou órgão que seja responsável pela definição de uma política de materiais didáticos que atenda aos diferentes públicos escolares.  Assim, não é incomum, por exemplo, a sobreposição de ações, como  a produção de obras literárias, de livros didáticos por diferentes programas, mas cada um adotando diferentes formas de concepção, elaboração e critérios próprios de avaliação. Algumas produções, inclusive, se fossem submetidas aos mesmos critérios de avaliação adotados no PNLD, por exemplo, correriam o risco de serem reprovadas na avaliação dos aspectos técnicos ou materiais e os pedagógicos.
Falta ao MEC uma estrutura que pense em seu conjunto os materiais didáticos e as políticas futuras, cujo desafio está na superação dos recursos impressos e a incorporação de novos suportes e tecnologias.



[1] Existem diversos programas e ações em andamento relacionadas a produção, avaliação de materiais didáticos. São exemplos: SEED - chamada para conteúdos digitais para o Portal do Professor; SECAD - Cadernos literários, Concurso Literatura Para Todos, dentre outros; SEB- Guia de Tecnologias, PNLD.
[2] Apesar de empregarmos, por vezes, a expressão política de materiais didáticos, que pode dar uma ideia de organicidade de ações e propósitos, o MEC, efetivamente, não a utiliza em seus documentos, e tampouco a pratica enquanto tal.
[3]  Citamos aqui os principais programas consolidados. No caso dos acervos literários, há iniciativas de produção literária, para EJA e Relações Étnico-Raciais, desenvolvidas no âmbito da SECAD, tal como o Concurso Literatura Para Todos, que ainda não se consolidou como um programa.